“Vejo-me primeiro do que tudo como pianista”

Ksenia Kogan interpreta na Madeira um dos seus concertos para piano favoritos.

Uma artista multifacetada que do do piano se estenda à representação e tem na dança o próximo desafio. Assim Ksenia Kogan, formada pelo State Conservatório Tchaikovsky em Moscovo e pela Queen Elisabeth Music Chapel na Bélgica, onde são admitidos jovens músicos excepcionalmente dotados. A pianista russa é a solista convidada do concerto de hoje da Orquestra Clássica da Madeira às 18 horas no Teatro Baltazar Dias. Vai interpretar o Concerto para piano em Lá menor Op.16 de Edvard Grieg sob a direcção do maestro Rui Pinheiro. No programa consta também outra obra de referência, a Sinfonia ‘À Patria’ Op. 13 [1895] de José Viana da Motta, uma estreia para a OCM, num concerto já esgotado.

Filha de uma pianista e membro de uma família de músicos e artistas, Ksenia Kogan diz que foi com naturalidade que seguiu este percurso. Fruto de uma educação musical inicial rígida e bastante exigente, hoje como instrumentista procura dar largas à experimentação, aproveitando quanto possível novos caminhos para se exprimir, outros desafios, como o que a levou a palco com John Malkovich.

Simpático, modesto, profissional, é assim que Ksenia Kogan caracteriza o actor de Hollywood com quem partilhou em 2015 e 2016 o seu projecto “Report on the Blind”, um dos projectos multidisciplinares que tem no currículo. Não é uma tentativa de mudança, antes um abrir de mente que considera importante num mundo global e cheio de possibilidades.

“Eu queria ser pianista, mas ao mesmo tempo eu adorava outras artes. Eu adoro dançar, eu adoro cantar, tudo o que uma rapariga normal gosta”, disse. “Com o John foi muito bom porque eu pude estar no meu papel como pianista, completamente independente como pianista, e ao mesmo tempo podia interagir com ele num diálogo entre a voz e o piano.”.

Desde criança que a representação entrou na vida de, normalmente ligada ao piano ou a este tema. Ainda hoje é convidada a participar e gosta. Ser actriz, no entanto, está fora de questão. “Eu vejo-me primeiro do que tudo como pianista. Esta é a minha história. Agora se eu puder colaborar com outros em outras áreas, fico feliz por isso.”

Considera as novas experiências formas de abrir a mente e o espírito e além desta forma multifacetada de estar em palco ser uma coisa que eu realmente gosta, acha que é mais natural para a audiência nos dias actuais. “Se tocares piano o tempo todo e não vires o mundo,se não vires o que os outros fazem,se não tentares colaborar com eles,vais fechando a mente e cansas-te mais da profissão. Eu acho que me ajuda a ficar mais inspirada”.

Ksenia Kogan começou aos seis anos numa escola para crianças que têm à partida como destino serem solistas e artistas internacionais. É uma longa carreira, confessou, apesar dos seus 31 anos poderem deixar alguma dúvida.

Cresceu competindo, está habituada aos prémios, à pressão e à expectativa dos outros. Mas o que acontece em palco, diz, é mágico. Magia que não consegue pôr em palavras e que é sentida quando partilha com a orquestra o prazer de uma performance ao vivo para o público. Esta magia é o que justifica que actores de sucesso continuem a precisar do teatro, e os músicos não dispensem os concertos, mesmo quando tem o conforto dos estúdios. “Talvez seja pela tensão sentida dos músicos da orquestra e pelo solista. É precisamente neste momento em que algo está a acontecer, em que tens de dar o teu melhor, tens de falar e dizer alguma coisa às pessoas. A audiência está ali toda para ti, ouvindo atentamente e esperando. Eu acho que há uma certa energia que cria algo de mágico. (…) Há um certo espírito que dá imenso prazer, que atrai para tocar mais e mais e desejar mais e mais concertos. É muito viciante”.

Ao longo dos anos tem conquistado plateias, somando salas de espectáculos, festivais, orquestras, maestros e actuações em vários países do mundo, uma carreira que não deixando de ser exigente reserva também espaço para a vida familiar e para o filho.

A vinda à Madeira já era desejada. Descobriu a ilha em criança no romance “Jane Eyre” de Charlotte Brontë e desde então ficou curiosa. A combinação disto, com o facto de tocar um dos seus concertos preferidos para piano, o preferido da mãe fazem deste um concerto especial, confessou.

Jornal da Madeira – 14 de Janeiro de 2017